Aproveitando o período de férias, publico aqui, mais uma vez (para quem ainda não conhece), um conto meu premiado em concurso literário promovido pelo Sinergia - Floripa. Espero que gostem.
nas férias todos os dias são sábado
abro os olhos, pego o relógio e vejo...
- droga, oito e vinte da manhã! mais uma vez acordado pelo maldito cachorro do vizinho (se é que podemos chamar aquilo de cachorro) / será que nem no sábado (nas férias todos os dias são sábado) podemos dormir até mais tarde?
tudo bem, o jeito é levantar / no entanto, fico mais um tempo deitado pensando no que vou fazer em mais um dia destas (merecidas?) férias / sinceramente, preferia ficar deitado até criar calo, mas penso no fato de meu pai me chamar de vagabundo (como já é seu costume) / na verdade eu não dou a mínima para o que ele fala, pois já estou acostumado /
decidido: vou levantar / ponho minha linda bermuda de moletom cinza com detalhes cor-de-rosa (herança da loja da minha mãe) e abro a porta, na expectativa de mais um dia de sol, ou será de chuva? (assim tenho motivo para voltar a deitar)
sol!
vou até a cozinha cumprindo meu ritual de todos os sábados (nas férias todos os dias são sábado), abro a porta e eis que surgem eles... os meus adorados cachorros (poodles) pulando feito loucos e lambendo o meu pé / sem problema, já estou acostumado com esse tipo de recepção calorosa, ou melhor, molhada / próximo passo: devo vencer o medo do escuro e adentrar o infinito corredor que me levará, de uma forma ou de outra, à tranqüilidade e segurança do banheiro / tomo ar e começo minha jornada / aos poucos vou vencendo o temível corredor e suas irremediáveis surpresas / ao passar pelo quarto de minha irmã insone, ouço (como não podia deixar de ser) a televisão ligada no jornal da lbv (como ela pode assistir uma coisa dessa?) / sinceramente, não sei de onde ela tirou esse gosto tão macabro, mas a gente dá um desconto, afinal hoje é sábado (nas férias todos os dias são sábado) /
ao passar pelo quarto do meu pai, ouço sua respiração não menos barulhenta que o maldito cachorro do vizinho, ou seja, ouço-o roncando como... não sei com o que se parece aquele som, na verdade, acho que não há nada mais horrendo do que uma pessoa roncando em pleno sábado (nas férias todos os dias são sábado) / já no outro quarto (o da minha mãe), o silêncio é mortal, a não ser pela minha irmã mais nova, coitada, que fala dormindo (qualquer dia ela se entrega) / bom, a essa altura já estou bem próximo do tão esperado banheiro /
é, parece que consegui, estou no banheiro / e agora? o que era mesmo que eu tinha que fazer? droga! o nervosismo foi tanto, que todas as minhas vontades fisiológicas (ou deveria dizer escatológicas?) foram por água abaixo /
tá legal, esquece o banheiro, vou aproveitar que meu pai ainda está dormindo para ver um pouco de tv a cabo / ligo a tv e começo minha viagem pelos quase 40 canais / vou passando de um em um e chego no 40º canal, nada / é incrível como nem na tv a cabo tem algo interessante para se ver no sábado (nas férias todos os dias são sábado) / volto olhando novamente os quase 40 canais na esperança de que neste meio tempo tenha começado algum programa assistível, e eis que surge o maravilhoso programa frugal gourmet (aquele de receitas), beleza! hoje o jeff smith está ensinando a fazer um minestrone para os dias frios (pena que aqui não faça tanto frio assim), sem problema, assisto assim mesmo / meia hora depois acaba a alegria / e agora? o que fazer? vou para o meu quarto ler um pouco mais do ana em veneza, de joão silvério trevisan, um ótimo livro para quem gosta de detalhes à la machado de assis / leio mais dois capítulos e deito novamente /
uma hora depois, abro os olhos, pego o relógio e vejo...
- dez horas da manhã! - desta vez é minha irmã que grita com os cachorros para que eles parem de fazer barulho. - será que não se pode realmente dormir até mais tarde no sábado? (nas férias todos os dias são sábado)
levanto, ligo o aparelho de som, pego o cd do mozart (sinfonia nº 40) e aumento o volume, só para me vingar! abro as janelas, a porta e contemplo mais uma vez o maravilhoso sol que brilha lá fora nesta monumental e barulhenta manhã de sábado (nas férias todos os dias são sábado) / ouço então minha mãe brigando com minha irmã mais nova por, pra variar, não arrumar o quarto, enquanto minha irmã mais velha assiste ao programa da xuxa (como ela pode?) e meu pai assiste a tv a cabo / deito novamente com a intenção de só sair dali na hora do almoço / almoço... / comida da mamis / o que será que ela vai fazer de bom hoje? levanto e vou perguntar...
- mãe! o que você vai fazer de bom pro rango, heim?
e ela: - já te vi ao molho madeira!
viro as costas sem dizer nada e volto pro quarto /
perto das doze badalada diúrnica, toca o telefone...
- ô pentelho! telefone procê! é o rafael...!
levanto e vou (a passos lentos) atender ao chamado da salvação...
- ‘daí, velho!
- vamo?
- vamo!
desligo o telefone e vou me preparar / bermuda de neoprene, camiseta velha, dinheiro (se é que se pode chamar centavos de dinheiro), óculos de sol, protetor solar fator 35 / agora é só esperar 15 minutos, mesmo sabendo que eles podem durar horas /
incrível, exatamente 15 minutos depois do telefonema ele chegou / destino: praia mole / assim que chegamos, o rafa foi pegar suas ondas, enquanto eu fiquei na areia lendo o ana em veneza / é impressionante como tem mulher bonita nesta cidade, e eu aqui sozinho...
mais ou menos às sete e meia decidimos ir embora / recolhe tudo, cadeira, toalha, máquina fotográfica, etc. / entramos no carro e eis que surge na nossa frente aquilo que nós menos esperávamos: uma fila quilométrica / tudo bem, afinal, hoje é sábado (nas férias todos os dias são sábado) /
depois de uma hora e meia, chego em minha casa, ou seja, às nove horas chego ao meu destino / pra variar, todos já haviam jantado, enquanto eu ficava na maldita fila... / nem esquento, afinal, não preciso da boca de ninguém para comer aquele pão com manteiga nosso de cada dia /
faço um rango rápido, tomo um banho e vou para o meu quarto (pra variar) / ligo (novamente) o aparelho de som e ponho o cd do nirvana, acendo um cigarro (o primeiro do dia) e fico pensando na vida mais-ou-menos que eu levo (quantas pessoas não davam tudo para ter a vida que eu tenho), ou seja, reclamo de barriga cheia /
pego (outra vez) o ana em veneza e finalmente termino de ler / realmente um ótimo livro / afinal, o que seria da vida sem a literatura num maravilhoso fim de sábado (nas férias todos os dias são sábado) /
ouço mais um pouco de nirvana e decido dar uma olhada no uma noite em curitiba, de cristovão tezza (presente da minha querida regininha) / resumindo: às duas e meia da manhã termino de ler / um livro excelente!
como é que alguém pode escrever um livro tão bom...!?
finalmente decido ir dormir, mas antes acendo mais um cigarro (o segundo do dia) / cinco minutos depois vou, enfim, descansar, afinal amanhã é sábado e eu posso aproveitar pra ficar na cama até mais tarde, porque você sabe: nas férias todos os dias são sábado!
Como hoje, por exemplo, rsrsrs. Em pleno sábado e estamos em férias, mas pra mim, a semana toda foi sábado, rsrsrs.
ResponderExcluirÓtimo conto este, quando vc se empolga, sai de baixo, né... Beijos!