sábado, 30 de janeiro de 2010

CORTINA DE FUMAÇA


todas as noites é a mesma coisa: depois de estudar pela manhã, trabalhar à tarde, voltar para casa, jantar e ver um pouco de televisão, vou para o meu quarto, acendo um cigarro e fico na janela / claro que não fico apreciando a paisagem, mesmo porque não há paisagem a ser apreciada/
no prédio que fica exatamente às 11:50 da minha janela (no terceiro andar), mora uma garota, moça, senhora, enfim, uma mulher / essa mulher vai para a varanda (ela é mais chique) do seu apartamento para também fumar o seu cigarrinho nosso de cada dia / o interessante é que parece que combinamos o horário, porque sempre que eu chego na minha janela, ela já está na sua varanda/
fumados, cada qual entra em seu respectivo lar com a certeza (triste certeza) de que só nos encontraremos novamente na noite seguinte/
várias vezes já me perguntei: - como será ela? bonita ou feia? nova ou experiente? loira ou morena? - faço essas perguntas pelo simples fato de sempre a ver por trás de uma cortina de fumaça (triste cortina)/
quando deito, fico construindo castelos de fumaça até não agüentar mais, então viro para o lado e durmo / vêm então os sonhos, ah! que sonhos...
ela acendendo o meu cigarro, eu acendendo o dela... eu fumando o dela, ela fumando o meu...
isso é que é sonho, o resto é estória pra boi dormir/
no dia seguinte tomo a decisão de falar com ela!
só tem um probleminha: seu nome / e o único jeito de descobrir é perguntando ao porteiro do prédio/
saio de casa pronto pro crime / chego na portaria, mostro o andar e a varanda ao porteiro e ele informa: apto. 301 / volto para casa, pego minha máquina de escrever e mando ver:

cara companheira de fumaça/

há muito tempo venho notando em seu olhar um profundo interesse em fumar comigo / faça cinco anéis de fumaça entrelaçados e confirme minhas suspeitas/
atenciosamente, o.j.

coloquei a carta num envelope de papel (leo)pardo e introduzi na caixa de correspondências dela/
quando anoiteceu, eu estava que não me agüentava de tanta excitação / quase não consegui comer/
televisão?
nem pensar!
o que eu queria mesmo era ver os cinco anéis dela entrelaçados no meu cigarro/
os minutos iam passando, o momento ia chegando e eu me descabelando/
eis que o big-ben toca as onze badaladas (santo inventor do relógio) / corro até a janela e vejo uma silhueta, uma sensual silhueta por trás daquela inconfundível cortina de fumaça / meu coração parece que vai sair pela boca, deixando aquele gosto amargo de fel / minha vista tenta me trair / meus joelhos tentam me enganar / meu cérebro tenta me ludibriar...
só depois disso tudo é que eu vi que faltava uma coisa: o meu cigarro, pois sem ele, como ela saberia que eu estava aqui? a distância é grande e a escuridão impenetrável/
impenetrável...? ah, tudo bem / você entendeu, não?
bem, voltando ao texto... lá estava ela, lindamente misteriosa (ou seria misteriosamente linda?) com seu belo vestido azul-calcinha, seu penteado à la sra. simpson (mãe do bart) e seu estonteante, inebriante, extasiante cigarro king size slims diet/
o tempo foi passando, o cigarro acabando e nada dos anéis / quando eu já não tinha mais esperanças, surgiu o primeiro / quase não acreditei / é isso aí, agora só faltam quatro, mas claro, eles têm que estar entrelaçados / poucos segundos depois, vieram o segundo, o terceiro, o quarto e, numa jogada de mestre, o quinto, que depois de alguns malabarismos, entrelaçou-se com todos/
eu não sabia o que fazer de tanta alegria / finalmente eu iria conhecer minha companheira solitária, minha cara-metade, minha alma-gêmea, a cara da minha coroa, o feijão do meu arroz, a cereja do meu sundae, enfim, a cobertura do meu bolo/
tomado de uma inexplicável ansiedade, coloquei a minha melhor roupa (calça jeans e camiseta) e saí, claro, sem esquecer o cigarro, elo de ligação entre batman e robin, fred e barney, piu-piu e frajola, batfino e karatê, pepe-legal e babalú, mickey e donald, cascão e cebolinha, etc/
ao chegar na frente da porta do apartamento 301, parei, pensei, refleti (havia um espelho na parede) e decidi: não me importo com o que vão dizer de mim, não me importo com o que pode acontecer à humanidade devido à minha decisão, mas a verdade é que vou parar de fumar...

2 comentários:

  1. Fantástico, perfeito, uma mistura harmoniosa de estilos: humor e suspense. Têm umas partes hilárias, hahahahaha "o nosso cigarrinho de cada dia", "fumados", "eu fumando o dela, ela fumando o meu", "Cascão e Cebolinha", hahahahaha... Têm um monte de partes engraçadíssimas. Adorei, Oscar! Show de bola!

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  2. Muitoooo bommm... Jogada de mestre... Digno de quem tem a essência da arte da escrita. Perfeito, adorei!

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