sexta-feira, 12 de março de 2010

SORVETE EM UM DIA DE VERÃO

ao chegar em casa, me dei conta de que estava realmente sozinho /
aproveitei para curtir um pouco todos os recantos daquela que foi nossa
morada por tantos anos e que agora não passa de um lugar triste e sombrio /
caminhando por aquele santuário, podia perceber sua mística presença,
que se agigantava à medida em que adentrava aos primórdios de minha memória /
ao passar pela sala - local importante de nosso universo – percebi que não
estava sozinho: do alto, o candelabro, que por muitas noites iluminou
momentos de amor intenso, me espreitava como a uma presa / da parede oposta à
janela que dá para o jardim, dali me questionava se valia a pena viver ou se
a vida não passava de um sentimento surreal, que nos leva à degradação / já
do balcão onde estavam as fotos, que eternizaram instantes mágicos de nossa
existência, seus olhos me procuravam e me chamavam à divagação /
segui caminhando e cheguei ao quarto / lá, mais do que em qualquer
outro local, podia sentir seu perfume, suas mãos macias e ávidas, sua voz
melodiosa - ao menos para mim - entoando cânticos que há muito não ouvia e
que me levavam a um estado de catarse do qual, somente com seus beijos,
poderia me libertar / da parede que ficava atrás da cama, velázquez me
mostrava que luz e sombra podem conviver harmoniosamente, desde que haja
algumas meninas para abrandar tal dicotomia / da prateleira do armário uma
agenda insinuava sua intimidade, seus pensamentos mais recônditos - o que já
não me assusta mais, uma vez que agora nada me impressiona ou tem valor /
fechei os olhos e segui adiante /
passando pelo escritório, senti sua presença em cada centímetro, em
cada livro, em cada folha de papel, em cada página, em cada mundo visitado e
revisitado tantas vezes por olhos, corações e mentes ansiosos por prazer, por
uma realidade que só a ficção pode nos proporcionar / lembrei das vezes em
que insisti para que lesse alguma coisa e quando você, com aquele jeitinho
infantil dizia “leitura me dá sono” e nós ríamos como crianças / ríamos do
passado / vivíamos o presente e, muitas vezes, não nos preocupávamos com o
futuro /
bons momentos aqueles / hoje... só recordações e saudade / saudade de
tudo o que você fazia parte / de tudo o que você dizia / de tudo o que você
acreditava / de tudo o que você amava / saudade de mim / de você / de nossa
vida, que um dia foi para sempre e que acabou como um sorvete em um dia de
verão /

2 comentários:

  1. Lembranças, saudade, temas frequentes na nossa vida e nos nossos escritos.
    Aliás, é através deles que nos despimos um pouco mais e analisamos emoções e pensamentos que, muitas vezes, estão escondidos até de nós mesmos.
    Muito interessante a simbologia do título em consonância com o final do texto.
    Gostei!

    Beijos e bom final de semana.

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  2. Querido amigo, teu texto me lembrou uma máxima do Nelson Rodrigues que dizia o seguinte: "Sem sorte, não se chupa nem um picolé, pois ele lhe cai no pé". Acho que isso vale para os relacionamentos também.

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